sábado, 30 de setembro de 2017

O banco, cenário de ficção científica

Para Sheila. Que você tenha muito sucesso no departamento de TI.

Hoje em dia no setor bancário temos a tal da biometria pra acessar ou liberar transações no caixa eletrônico. Basicamente, a gente mete o dedo no sensor, e ele vincula nossa impressão digital à conta. Eu acho o máximo, porque posso sair sem o cartão e sacar ou tirar o extrato digitando os dados da conta e metendo o dedo, sem me preocupar em fraudes e troca de cartões.
Isso tá meio que na moda. A Justiça Eleitoral está fazendo o cadastramento biométrico dos eleitores. Até na academia o pessoal mete o dedo pra girar a catraca. Comigo não deu muito certo porque eu desconfio que o modelo de sensor não é lá essas coisas. Ou cadastraram minhas digitais errado. Porque, na boa, tem gente que passa sem problema. Porque comigo não?
No banco é tranquilo, mas eu vi gente se embananar ao colocar o dedo pra leitura da digital. Principalmente idosos. Tem uns que torcem a mão de um jeito que lembra aquele filme de terror, O Exorcista. Parece que está girando a cabeça (ou, no caso, a mão) 180 graus. Minha mãe foi uma Linda Blair do setor bancário. A agência resolveu desabilitar o cadastramento da digital dela antes que ela começasse a andar pelo teto.
Outro dia eu assisti uma reportagem sobre um lugar, acho que um hospital, em que os funcionários batiam o ponto com a digital e acharam um meio de burlar o sistema. Dizem que as impressões digitais são únicas. Cada um tem as suas, e ninguém tem uma igual. Então, como eles fizeram?
Usaram moldes de látex e os cúmplices usaram esses moldes como luvas. Aí eu lembrei de dois filmes que mencionavam esse tipo de identificação no enredo. E sobre como fraudar o sistema.
Um é O sexto dia, com Arnold Schwarzenegger. E se você ainda não assistiu o filme, já vou avisando: tem spoiler. O Arnold que acorda no táxi é o clone. O outro é Minority Report, com o Tom Cruise. Ele faz um transplante de olho (de olho!) e quando vai ao shopping, o programa de identificação lhe dá as boas vindas como “Sr. Nakamura”.
Outra parte do nosso corpo que seria única e, portanto, à prova de cópia seria uma parte do olho, a íris. Eu pensei, quando vi a cena do táxi: pô, que legal se a tecnologia avançar a ponto da gente não precisar de cartão, cheque ou dinheiro pra pagar as contas. Só olhando o sensor, e pronto.
Mas aí o herói do filme é um clone. Com o mesmo padrão, as mesmas digitais (dizem que até o formato da orelha é único). Com ele e o original andando por aí ao mesmo tempo, levaria metade do tempo pra gastar o dinheiro!
Deixemos de lado a clonagem, mesmo com a Dolly. O que impediria os bandidos de espalhar sensores que vão cobrar por compras e serviços que não pedimos? Imagine um comerciante mal intencionado que põe um desses na vitrine, e só da gente olhar pra mercadoria, compramos ela. Daí, de duas uma: recebemos um monte de entregas em casa, e/ou quando a gente quiser comprar uma balinha, recebemos a mensagem de “saldo insuficiente”.
Daqui a pouco, as maquininhas de cartão vão ser trocadas por leitores de impressão digital. Mas aí vamos ter que tomar muito cuidado onde passamos o dedo, e lembrar de limpar o sensor depois de pagar a compra. Pelo menos a gente se livra do porre de ter que decorar senha. Só que se fraudarem a digital, não vamos ter como bloquear e trocar, não é mesmo?

E o que acontece se perdermos o dedo cuja digital está cadastrada? Ou, nesse delírio futurista, se eu precisar de um transplante de córnea, vou ter acesso às contas do doador? Sei lá! Antes do avião ser inventado, quem imaginou morrer num acidente aéreo? Júlio Verne, talvez?

quinta-feira, 21 de setembro de 2017

Viagem no tempo


Quando eu era garoto, comecei a fazer serviço de banco pros meus pais. Não era essa facilidade de hoje em dia, que podemos acessar o banco com um aplicativo de celular e fazer até depósitos em cheque tirando uma foto.
Pra ir até a agência também não era a moleza que é agora, com um banco aqui na esquina. Em relação à distância, por exemplo, eu tinha que pegar um ônibus na ida e outro pra voltar. E tinha que pagar as duas passagens, em dinheiro ou passe de papel. Nada dessas modernidades do bilhete único.
Na agência, também não tinha moleza. Tinha que preencher guia de depósito, para sacar tinha que ser com cheque. Mas aceitava todas as contas, exceto boleto vencido de outro banco.
A movimentação da conta tinha que ser com talão de cheques ou, no caso de poupança, a caderneta.
E por falar nela, só podia depositar naquele dia e os juros eram trimestrais. Se fosse aplicar em outro dia, era obrigado a abrir outra conta, uma pra cada dia do mês, exceto a partir do dia 29. Por causa de fevereiro, é claro. Tem uma história sobre um imperador romano ter roubado um dia do mês de fevereiro, mas isso é pra outro dia.
As filas eram imensas, mas tinha caixa de monte. E o pessoal passava o tempo conversando ou lendo. Não tinha Facebook nem WhatsApp, muito menos celular. Computador era coisa de seriado de ficção científica (assim eu imaginava na época). Em vez disso, tinha máquinas de escrever e registradoras que autenticavam os recibos.
“E música, as pessoas ouviam?”, perguntou a criança.
Pensei um pouco antes de responder. “Sim, os clientes começaram a ouvir música dentro do banco quando apareceu o walkman.”
“O que é um walkman?”
“É...” eu titubeei. “É o aparelho que a gente usava pra ouvir música fora de casa na época.”
“E usava esse tal walkman pra mais alguma coisa?”
“Bem, alguns modelos dava até pra gravar.”
“Só??”
“Quer que eu continue ou você quer mudar de assunto?”. Ele olhou pra mim, em dúvida. Depois fez um sinal pra continuar a história.
Caixa eletrônico? Nem sonhávamos com isso (os clientes, claro). E lotérica era só pra aquilo: fazer aquela fezinha na loteria federal ou na esportiva.
Não tinha porta giratória também, travando com qualquer vintém. Mas o risco de assaltos era mais alto, justamente por isso.
As filas eram por caixa, e o pessoal ficava mudando de fila quando percebia que uma andava mais rápido, igual ao que os motoristas fazem no trânsito. Até que um dia inventaram de fazer a fila única.
Só que era única mesmo. Ficava idoso, gente com criança, grávidas, na ordem de chegada. Acho que isso começou a mudar quando fizeram a lei do transporte gratuito pra idosos, depois os assentos preferenciais. Aí apareceu a fila preferencial.
Vieram então as portas giratórias e o pessoal dando piti porque a porta travava, e culpavam os seguranças de não irem com a cara do cliente e travar a porta.
Um dia, apareceu uma máquina num canto da agência e pediram pro meu pai criar uma senha. Eu nunca tinha ouvido aquela palavra, mas o gerente disse que, com os dados da conta e a senha, meus pais poderiam tirar um saldo ou extrato da conta sempre que quisessem. Bom, como eu ia ao banco todo dia, acabei decorando a tal da senha (e o número da agência e da conta) e tirava um extrato sempre que fazia um depósito.
Depois vieram com um retângulo com o nome do banco, agência, conta e o nome da pessoa. Na época, a gente nem sabia o que era cartão de crédito. E o caixa eletrônico.
No começo, ele fazia o mesmo que aquelas máquinas onde a gente tirava extratos – que basicamente era uma calculadora de mesa com bobina, só que em vez de cálculos dava a movimentação da conta ou o saldo.
Mas, voltando ao caixa eletrônico, ele fazia três coisas: extrato, saldo e sacar dinheiro. E tinha que usar o tal do cartão com a senha. E ela era só de números. Hoje tem tantas opções que a gente fica tonto só de olhar. Depois veio a internet e agora os aplicativos de celular.
“Puxa, pai, como você sabe tanto sobre banco?”
“Ora, filho! Eu trabalho em um. Só que as coisas mudaram muito desde a época em que eu era criança.”

“Puxa, como você é velho!” disse o garoto. “Isso aconteceu mesmo ou você inventou tudo isso?”