sábado, 21 de outubro de 2017

Meu amigo Cleyton

Tem gente que não sabe lidar com dinheiro.
Vejam só meu amigo Cleyton. Ele abriu sua primeira conta quanto tinha dezesseis anos, ao arrumar o primeiro emprego. Como era menor, não podia ter cheque especial nem cartão de crédito. Mesmo assim, gastava o que podia e não podia.
O pessoal falava para guardar um pouco, ajudar nas despesas de casa. Ele até ajudava, mas dizia que ganhava menos.
O dia que a mãe dele, a Dona Rita, descobriu um holerite com o valor real, ela ficou uma fera. A coroa já andava desconfiada que ele escondia o ouro, com todas as coisas novas que o filho andava comprando.
Ela exigiu que o Cleyton deixasse o cartão com ela. Aí ele começou a argumentar.
“Mas e na hora do almoço, mãe? Eu vou passar fome?” Ela disse que não, que levasse marmita. “E quando eu quiser sair com meus amigos?”  Que levasse o dinheiro contado para condução, ingresso e lanche. E assim foi a ladainha, até que o meu amigo se resignou e entregou o cartão da conta.
“E nem pense em usar a internet para movimentar a conta!” Vociferou Dona Rita. “Quero ver o extrato no pagamento e no vale!” A mãe conhecia o filho que tinha.
Cleyton começou a pensar em se mudar, morar sozinho. Mas, como disse no início da história, ele ainda era de menor. Quem ia deixar ele assinar um contrato de aluguel? Mesmo assim, ele começou a pesquisar. Descobriu que o aluguel de um quarto na pensão levaria metade do salário dele. Um quarto de pensão! Não uma casa, nem uma kitinete, muito menos um apartamento.
Ele começou a reparar nas despesas de casa. Aluguel, luz, água, telefone, supermercado, IPTU (o menino achou um absurdo terem que pagar o imposto, sendo que o imóvel nem era deles). Na lista do mercado, viu o tipo de coisa que a mãe comprava. Verduras, legumes, pão, margarina, óleo, leite, café, produtos de limpeza, sabão em pó.
Eles viviam da pensão alimentícia que o pai depositava e dos trabalhos de faxineira da mãe. E agora do salário que ele ganhava. Começou a olhar com certa vergonha para os tênis de marca, o smartphone de última geração e as roupas vistosas que tinha comprado escondido dela.
Um final de semana, em vez de ir pra balada, resolveu conversar com a mãe. Disse que tinha observado com atenção as despesas que tinham em casa e queria conversar sobre isso com ela. Foram horas analisando cadernos onde Dona Rita anotava despesas e receitas. Cleyton viu o dinheiro que repassava nos primeiros meses após arrumar o emprego. Ficou acabrunhado, mas seguiu em frente.
Ela anotava tudo no mês, fazia as contas e no final apresentava o saldo. Sempre sobrava um pouquinho. E esse valor aparecia com uma anotação: depositado na poupança. Havia meses em que ele tinha que pedir emprestado aos colegas, já que não podia fazer isso no banco ainda.
Aí ele percebeu que, com o comportamento que tinha, se tivesse feito empréstimo no banco, estaria com o nome sujo. Mas ele refletiu: mas ele já não estava, entre os conhecidos? Não estava na lista do SPC, mas tinha um monte de gente que já olhava torto pra ele por causa das dívidas.
Confessou isso à mãe. Ela não pareceu surpresa.

“Meu filho, quanto você deve pros seus amigos?” Cleyton não soube dizer. Não sabia os valores, mas sabia para quem. “Então você vai perguntar pra cada um dos amigos pra quem você deve o valor exato. E diga que vai conversar na semana que vem sobre a forma de pagamento. E não esqueça de anotar nome e valor”.
Ela pegou uma caderneta em branco e deu ao rapaz. “Coloque o nome da pessoa na primeira linha e quando conversar com ela, o valor. Depois, vamos fazer as contas e bolar um jeito de pagar esse pessoal”.
Durante a semana, Cleyton procurou todo mundo. Alguns se espantaram. Outros tinham até esquecido da dívida. Ele percebeu o quanto a pecha de caloteiro estava impregnada nele. Se sentiu mal por isso, principalmente porque algumas dessas pessoas tinham deixado de falar com ele depois de lhe emprestarem dinheiro – e ele não ter devolvido.
Munido das informações, no final de semana seguinte o meu amigo planejou o pagamento das dívidas. Demorou um ano, mas no final ele conseguiu saldar todas.
Mês passado, Cleyton fez dezoito anos. Foi ao banco atualizar o cadastro e passou a ser o único responsável pela movimentação da conta. Ofereceram a ele cheque especial e cartão de crédito. Ele recusou, mas perguntou sobre investimentos. Acabou fazendo um plano de previdência e uma poupança.
A única dívida pela qual ele se interessou foi o financiamento imobiliário. Mas deixou pra outra ocasião, pois achou os juros muito altos.

domingo, 15 de outubro de 2017

Dona Maria

Dona Maria era uma senhora que aparentava ter uns sessenta anos. Ela andava atarantada com seu empréstimo em atraso. Já tinha recebido ligações de dezenas de cobradores, que pareciam usar um tom ameaçador. Ela morava sozinha e não tinha quem lhe desse orientação sobre como proceder.
Ela caiu na lábia de uma gerente e depois de alguns meses, não conseguiu arcar com as prestações do empréstimo, que eram muito altas pra condição dela. Estava pagando as parcelas com dois meses de atraso.
Quando ia ao banco para tentar renegociar, a tal gerente, que era toda sorrisos quando fez ela assinar o contrato, parecia não notar a sua presença.
Até que um dia foi atendida por Edmundo. Ele chamou sua senha e ouviu sua história. Verificou o cadastro de Dona Maria, a situação do empréstimo, o que ela recebia pelo banco. E traçou uma estratégia para colocar a conta dela em dia.
Edmundo verificou as regras do banco para situações como a dela. Explicou o que teria que ser feito, o melhor dia para renegociar, de acordo com os vencimentos da senhora. Explicou que se pedisse desconto, poderia ficar com a conta, mas não teria crédito.
A gerente, vendo que o escriturário se demorava com Dona Maria, após ela ir embora, foi até a mesa dele.
- Não gaste saliva com aquela mulher. Ela é uma safada.
Chocado, Edmundo refletiu sobre o acontecido e sobre qual era seu papel na instituição. Seria a busca do lucro a qualquer custo, ou ele poderia fazer algo por aquela pessoa que tinha idade para ser sua mãe?
Dona Maria gostou tanto do atendimento de Edmundo que só procurava a ele.
Um dia, finalmente conseguiram fazer a renegociação numa data de vencimento compatível com a data de pagamento da sua aposentadoria.

Edmundo saiu da mesa e foi ajudar as pessoas nos caixas eletrônicos, e Dona Maria estava lá todo mês com o boleto de seu empréstimo renegociado, pedindo-lhe ajuda para fazer o pagamento.

domingo, 8 de outubro de 2017

O dorminhoco

Felisberto se espreguiçou e esfregou os olhos antes de abri-los. O ambiente estava escuro e vazio. Bem, não exatamente vazio. Apenas não havia pessoas lá. Ele não reconheceu o lugar a princípio. Olhou para os lados e viu a pasta de serviço.
Viu algumas mesas com computadores e um tablado alto com um tipo de balcão de atendimento. Tinha uma tevê pendurada no teto... não, apoiada num pedestal. Aí viu o totem com o logo do banco que ele tinha ido hoje à tarde. Procurou uma janela. Já era noite.
Onde ele tinha cochilado (ou hibernado?) fica próximo de uma coluna. Ficou meio escondido. Noite passada, ele tinha varado a madrugada estudando pra prova de... quando mesmo? Olhou no calendário do celular e o horário. Puta merda! Tinha perdido a prova!
Quando Felisberto chegou ao banco, a fila pro caixa tava enorme. Pegou sua senha de atendimento, e quando uma pessoa se levantou, ele se sentou e apagou.
Aí o boy se lembrou que as contas que ele veio pagar tinham vencido ontem. O patrão vai ficar uma fera quando souber da mancada.
“Quem estiver aí apareça!” gritou uma voz autoritária. Caramba, pensou o dorminhoco, devo ter acionado o alarme.
“Tudo bem, não atire. Estou desarmado.”
Dois pms, acompanhados de um homem de terno, apareceram no saguão. Um dos milicos mandou levantar as mãos. Ele obedeceu, é claro. Vieram e começaram a revistá-lo e fazer perguntas.
O homem de terno, meio sonolento, passou do espanto à gargalhada ao ouvir a história de Felisberto.
“Eu vou dar uma olhada nas gravações. Se bater com a sua história, pode ir pra casa.” Disse o gerente. “Você não chegou a pagar as contas, não é?” Ele fez que não com a cabeça. “Vou ver o que posso fazer. Venha durante o horário de atendimento.”

O gerente ainda pediu aos policiais que o levassem para onde o dorminhoco quisesse. Já estava amanhecendo. Felisberto foi tomar o café da manhã na padaria perto do seu trabalho e ligou pra mãe, avisando que estava bem. E ele teria que conversar com o professor sobre a sub.