quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

A mochila

Raimundo gostava de usar as mãos. Exceto para escrever e fazer contas. Por isso, saiu da escola assim que terminou o primeiro grau (atual ensino fundamental). Ele está sempre por aí, serrando, martelando, pintando, mexendo na massa e levando um choque ou outro quando se mete a eletricista.
Outro dia, ele teve que resolver uns assuntos no banco, mas não tinha onde deixar suas ferramentas. Então, foi com a mochila nas costas, certo de que iria sair de lá rápido.
Que engano! A agência onde foi estava lotada (era dia dez). Caixa eletrônico não era com ele. Nem computador tinha! Resignou-se e foi em direção à porta giratória. Chegando lá, travou. Raimundo olhou para os lados, para dentro, sem saber o que estava acontecendo. E com a mochila nas costas.
O segurança veio falar com ele.
- O senhor tem alguma coisa de metal aí? – Raimundo negou com a cabeça. – Vá pra trás da faixa amarela e tente de novo.
Clanc! – travou de novo. O guarda perguntou, e ele negou, dessa vez em voz alta.
- Não, não tenho nada de metal! – já ficando nervoso.
Enquanto isso, uma senhora com uma bolsa tirou o celular e as chaves, colocou-as numa caixa ao lado da porta giratória e passou. A bolsa dela era enorme, e ela passou...
- Senhor (ele não tinha mais que uns vinte anos, e apesar da irritação, gostou de ser tratado assim), por que não tira as coisas da mochila e põe na caixa ao lado, como aquela moça?
- Mas eu não tenho nada de metal! – gritou.
Enquanto isso, outras pessoas entravam e saíam sem problemas. Algumas travavam, mas colocavam coisas na caixa e depois conseguiam passar sem problemas.
Então, ele resolveu tentar passar com tudo, com a mochila nas costas. Bateu a cara no vidro da porta. Começou a gritar que não ia sair dali até liberarem a porta, que não tinha nada de metal, que os seguranças estavam travando a porta pra tirar uma com a cara dele.
As pessoas que chegaram depois viram o escândalo resolveram procurar outro banco. Quem estava dentro foi reclamar com os gerentes por que não liberavam o coitado pra ele poder entrar, que deviam tirar aquele sujeito, que não estava deixando eles saírem.
Um gerente foi até a porta conversar com Raimundo. Falou que a porta giratória trava quando a pessoa tem coisas de metal, que é uma medida de segurança para proteger os clientes e funcionários, blá, blá, blá.
Alterado, Raimundo disse pela décima vez que não tinha nada de metal, que não ia abrir a mochila, que isso era uma violação dos seus direitos, que ia procurar a polícia. O gerente o deixou falando sozinho.
O faz-tudo deu um murro na porta. O bancário virou-se e disse ao segurança que se ele quebrasse o vidro, o prendesse, que o banco ia processá-lo por vandalismo. E voltou para sua mesa.
Raimundo, que não era homem de chorar, teve uma crise nervosa e começou a chorar. Abriu a mochila e derrubou no chão todas as suas ferramentas, gritando:

- Onde vocês estão vendo alguma coisa de metal aqui? Hein?

domingo, 5 de novembro de 2017

Seguro morreu de velho

Uma vez tirei férias e fui pra Recife. Eu estava com um grupo fazendo excursão pela cidade e estava sentindo um incômodo. Nada escatológico. Eu olhava pro guia, que tinha mais ou menos a minha idade, e sentia vontade de dar um murro nele. E assim levei o passeio.
Na hora do almoço, fomos a um restaurante de pratos típicos da região. Edmilson, o guia, se sentou comigo e mais dois turistas. Enquanto esperávamos os pedidos, começamos a conversar.
“Seu Norberto, percebi que o senhor não parecia bem durante o passeio da manhã. Talvez seja melhor trocar o prato. Esse que o senhor pediu é meio pesado. “
“Não é nada no estômago “, respondi.  “É uma sensação. Por acaso já nos conhecemos? “
“Eu já morei em São Paulo. Tinha uma fábrica lá, junto com meu irmão. O senhor não se lembra de mim? “
Olhei pra ele, tentando puxar pela memória. Fiz que não.
“Faz uns quinze anos. A minha firma tinha uma conta no banco (...) lá do Jardim (...).
Tomei um choque. Eu trabalhei naquela agência na mesma época. E lembrei.
Eu era verde de banco, estava aprendendo o serviço. Já conhecia o Edmilson de vista, cumprimentava-o quando ia lá, mas não tinha muito contato. Certo dia, a gerente o levou à minha mesa e disse que ele ia fazer um seguro. Ele não me encarava nos olhos, mas de qualquer maneira, seguro de vida era uma das metas do mês.
Fiz a apresentação dos tipos existentes e valores de prêmio (mensalidade) e o valor correspondente a ser recebido pela família caso ele morresse.
Na época, apesar de já existir o Código de Defesa do Consumidor, era comum a prática da venda casada. Ele não prestou muita atenção nos meus argumentos de venda e escolheu o valor mais baixo. Assinou o contrato do seguro de vida e voltou pra mesa da gerente pra fazer o negócio que lhe interessava.
Na hora que vi sua linguagem corporal, pensei: vai dar merda.
Dito e feito! Seis meses depois, ouvi de passagem que a conta jurídica do cara estava com operações em atraso. O seguro acabou cancelado e não pensei no sujeito durante três anos.
Por algum motivo, consultei o cadastro dele, vi que tinha aberto uma conta física e estava morando em outro Estado. Xinguei de safado e deixei pra lá. Nunca mais pensei nele... até aquele dia.
“Como você virou guia turístico”, perguntei eu.
“Foi graças ao FIES. Depois que a dívida caducou e o meu nome ficou limpo, eu fiz cursinho e passei na faculdade de Turismo. Eu fiz das tripas coração para manter as contas em dia. Além da faculdade, eu tinha uma família para sustentar. “
“E como foi isso? “
“Fiz cursos sobre como organizar o orçamento doméstico. Além disso, descobri um grupo chamado Devedores Anônimos. “
Fiquei curioso. Já tinha ouvido falar dos Alcóolicos Anônimos, do Al-Anon, mas nunca me ocorreu que comprar (e, consequentemente, se endividar) poderia ser uma compulsão. Infelizmente ele não teve como quitar ou sequer negociar as dívidas da fábrica. Isso impactou muito no resultado da agência no ano em que elas foram lançadas em prejuízo.
Ouvi sobre as características da reunião, as metas sugeridas (parece que em tudo que fazemos temos que traçar metas) e em como isso melhorou sua qualidade de vida.
O ex-cliente da minha antiga agência não levou um soco e foi nosso guia durante o resto da minha estadia em Recife. Tivemos outras conversas muito interessantes sobre o mercado financeiro, o consumismo, a situação política do Brasil, nossas famílias.

Cheguei à conclusão de que a falência da fábrica foi seu fundo do poço e dali em diante, sua jornada foi apenas para cima.

sábado, 21 de outubro de 2017

Meu amigo Cleyton

Tem gente que não sabe lidar com dinheiro.
Vejam só meu amigo Cleyton. Ele abriu sua primeira conta quanto tinha dezesseis anos, ao arrumar o primeiro emprego. Como era menor, não podia ter cheque especial nem cartão de crédito. Mesmo assim, gastava o que podia e não podia.
O pessoal falava para guardar um pouco, ajudar nas despesas de casa. Ele até ajudava, mas dizia que ganhava menos.
O dia que a mãe dele, a Dona Rita, descobriu um holerite com o valor real, ela ficou uma fera. A coroa já andava desconfiada que ele escondia o ouro, com todas as coisas novas que o filho andava comprando.
Ela exigiu que o Cleyton deixasse o cartão com ela. Aí ele começou a argumentar.
“Mas e na hora do almoço, mãe? Eu vou passar fome?” Ela disse que não, que levasse marmita. “E quando eu quiser sair com meus amigos?”  Que levasse o dinheiro contado para condução, ingresso e lanche. E assim foi a ladainha, até que o meu amigo se resignou e entregou o cartão da conta.
“E nem pense em usar a internet para movimentar a conta!” Vociferou Dona Rita. “Quero ver o extrato no pagamento e no vale!” A mãe conhecia o filho que tinha.
Cleyton começou a pensar em se mudar, morar sozinho. Mas, como disse no início da história, ele ainda era de menor. Quem ia deixar ele assinar um contrato de aluguel? Mesmo assim, ele começou a pesquisar. Descobriu que o aluguel de um quarto na pensão levaria metade do salário dele. Um quarto de pensão! Não uma casa, nem uma kitinete, muito menos um apartamento.
Ele começou a reparar nas despesas de casa. Aluguel, luz, água, telefone, supermercado, IPTU (o menino achou um absurdo terem que pagar o imposto, sendo que o imóvel nem era deles). Na lista do mercado, viu o tipo de coisa que a mãe comprava. Verduras, legumes, pão, margarina, óleo, leite, café, produtos de limpeza, sabão em pó.
Eles viviam da pensão alimentícia que o pai depositava e dos trabalhos de faxineira da mãe. E agora do salário que ele ganhava. Começou a olhar com certa vergonha para os tênis de marca, o smartphone de última geração e as roupas vistosas que tinha comprado escondido dela.
Um final de semana, em vez de ir pra balada, resolveu conversar com a mãe. Disse que tinha observado com atenção as despesas que tinham em casa e queria conversar sobre isso com ela. Foram horas analisando cadernos onde Dona Rita anotava despesas e receitas. Cleyton viu o dinheiro que repassava nos primeiros meses após arrumar o emprego. Ficou acabrunhado, mas seguiu em frente.
Ela anotava tudo no mês, fazia as contas e no final apresentava o saldo. Sempre sobrava um pouquinho. E esse valor aparecia com uma anotação: depositado na poupança. Havia meses em que ele tinha que pedir emprestado aos colegas, já que não podia fazer isso no banco ainda.
Aí ele percebeu que, com o comportamento que tinha, se tivesse feito empréstimo no banco, estaria com o nome sujo. Mas ele refletiu: mas ele já não estava, entre os conhecidos? Não estava na lista do SPC, mas tinha um monte de gente que já olhava torto pra ele por causa das dívidas.
Confessou isso à mãe. Ela não pareceu surpresa.

“Meu filho, quanto você deve pros seus amigos?” Cleyton não soube dizer. Não sabia os valores, mas sabia para quem. “Então você vai perguntar pra cada um dos amigos pra quem você deve o valor exato. E diga que vai conversar na semana que vem sobre a forma de pagamento. E não esqueça de anotar nome e valor”.
Ela pegou uma caderneta em branco e deu ao rapaz. “Coloque o nome da pessoa na primeira linha e quando conversar com ela, o valor. Depois, vamos fazer as contas e bolar um jeito de pagar esse pessoal”.
Durante a semana, Cleyton procurou todo mundo. Alguns se espantaram. Outros tinham até esquecido da dívida. Ele percebeu o quanto a pecha de caloteiro estava impregnada nele. Se sentiu mal por isso, principalmente porque algumas dessas pessoas tinham deixado de falar com ele depois de lhe emprestarem dinheiro – e ele não ter devolvido.
Munido das informações, no final de semana seguinte o meu amigo planejou o pagamento das dívidas. Demorou um ano, mas no final ele conseguiu saldar todas.
Mês passado, Cleyton fez dezoito anos. Foi ao banco atualizar o cadastro e passou a ser o único responsável pela movimentação da conta. Ofereceram a ele cheque especial e cartão de crédito. Ele recusou, mas perguntou sobre investimentos. Acabou fazendo um plano de previdência e uma poupança.
A única dívida pela qual ele se interessou foi o financiamento imobiliário. Mas deixou pra outra ocasião, pois achou os juros muito altos.

domingo, 15 de outubro de 2017

Dona Maria

Dona Maria era uma senhora que aparentava ter uns sessenta anos. Ela andava atarantada com seu empréstimo em atraso. Já tinha recebido ligações de dezenas de cobradores, que pareciam usar um tom ameaçador. Ela morava sozinha e não tinha quem lhe desse orientação sobre como proceder.
Ela caiu na lábia de uma gerente e depois de alguns meses, não conseguiu arcar com as prestações do empréstimo, que eram muito altas pra condição dela. Estava pagando as parcelas com dois meses de atraso.
Quando ia ao banco para tentar renegociar, a tal gerente, que era toda sorrisos quando fez ela assinar o contrato, parecia não notar a sua presença.
Até que um dia foi atendida por Edmundo. Ele chamou sua senha e ouviu sua história. Verificou o cadastro de Dona Maria, a situação do empréstimo, o que ela recebia pelo banco. E traçou uma estratégia para colocar a conta dela em dia.
Edmundo verificou as regras do banco para situações como a dela. Explicou o que teria que ser feito, o melhor dia para renegociar, de acordo com os vencimentos da senhora. Explicou que se pedisse desconto, poderia ficar com a conta, mas não teria crédito.
A gerente, vendo que o escriturário se demorava com Dona Maria, após ela ir embora, foi até a mesa dele.
- Não gaste saliva com aquela mulher. Ela é uma safada.
Chocado, Edmundo refletiu sobre o acontecido e sobre qual era seu papel na instituição. Seria a busca do lucro a qualquer custo, ou ele poderia fazer algo por aquela pessoa que tinha idade para ser sua mãe?
Dona Maria gostou tanto do atendimento de Edmundo que só procurava a ele.
Um dia, finalmente conseguiram fazer a renegociação numa data de vencimento compatível com a data de pagamento da sua aposentadoria.

Edmundo saiu da mesa e foi ajudar as pessoas nos caixas eletrônicos, e Dona Maria estava lá todo mês com o boleto de seu empréstimo renegociado, pedindo-lhe ajuda para fazer o pagamento.

domingo, 8 de outubro de 2017

O dorminhoco

Felisberto se espreguiçou e esfregou os olhos antes de abri-los. O ambiente estava escuro e vazio. Bem, não exatamente vazio. Apenas não havia pessoas lá. Ele não reconheceu o lugar a princípio. Olhou para os lados e viu a pasta de serviço.
Viu algumas mesas com computadores e um tablado alto com um tipo de balcão de atendimento. Tinha uma tevê pendurada no teto... não, apoiada num pedestal. Aí viu o totem com o logo do banco que ele tinha ido hoje à tarde. Procurou uma janela. Já era noite.
Onde ele tinha cochilado (ou hibernado?) fica próximo de uma coluna. Ficou meio escondido. Noite passada, ele tinha varado a madrugada estudando pra prova de... quando mesmo? Olhou no calendário do celular e o horário. Puta merda! Tinha perdido a prova!
Quando Felisberto chegou ao banco, a fila pro caixa tava enorme. Pegou sua senha de atendimento, e quando uma pessoa se levantou, ele se sentou e apagou.
Aí o boy se lembrou que as contas que ele veio pagar tinham vencido ontem. O patrão vai ficar uma fera quando souber da mancada.
“Quem estiver aí apareça!” gritou uma voz autoritária. Caramba, pensou o dorminhoco, devo ter acionado o alarme.
“Tudo bem, não atire. Estou desarmado.”
Dois pms, acompanhados de um homem de terno, apareceram no saguão. Um dos milicos mandou levantar as mãos. Ele obedeceu, é claro. Vieram e começaram a revistá-lo e fazer perguntas.
O homem de terno, meio sonolento, passou do espanto à gargalhada ao ouvir a história de Felisberto.
“Eu vou dar uma olhada nas gravações. Se bater com a sua história, pode ir pra casa.” Disse o gerente. “Você não chegou a pagar as contas, não é?” Ele fez que não com a cabeça. “Vou ver o que posso fazer. Venha durante o horário de atendimento.”

O gerente ainda pediu aos policiais que o levassem para onde o dorminhoco quisesse. Já estava amanhecendo. Felisberto foi tomar o café da manhã na padaria perto do seu trabalho e ligou pra mãe, avisando que estava bem. E ele teria que conversar com o professor sobre a sub.

sábado, 30 de setembro de 2017

O banco, cenário de ficção científica

Para Sheila. Que você tenha muito sucesso no departamento de TI.

Hoje em dia no setor bancário temos a tal da biometria pra acessar ou liberar transações no caixa eletrônico. Basicamente, a gente mete o dedo no sensor, e ele vincula nossa impressão digital à conta. Eu acho o máximo, porque posso sair sem o cartão e sacar ou tirar o extrato digitando os dados da conta e metendo o dedo, sem me preocupar em fraudes e troca de cartões.
Isso tá meio que na moda. A Justiça Eleitoral está fazendo o cadastramento biométrico dos eleitores. Até na academia o pessoal mete o dedo pra girar a catraca. Comigo não deu muito certo porque eu desconfio que o modelo de sensor não é lá essas coisas. Ou cadastraram minhas digitais errado. Porque, na boa, tem gente que passa sem problema. Porque comigo não?
No banco é tranquilo, mas eu vi gente se embananar ao colocar o dedo pra leitura da digital. Principalmente idosos. Tem uns que torcem a mão de um jeito que lembra aquele filme de terror, O Exorcista. Parece que está girando a cabeça (ou, no caso, a mão) 180 graus. Minha mãe foi uma Linda Blair do setor bancário. A agência resolveu desabilitar o cadastramento da digital dela antes que ela começasse a andar pelo teto.
Outro dia eu assisti uma reportagem sobre um lugar, acho que um hospital, em que os funcionários batiam o ponto com a digital e acharam um meio de burlar o sistema. Dizem que as impressões digitais são únicas. Cada um tem as suas, e ninguém tem uma igual. Então, como eles fizeram?
Usaram moldes de látex e os cúmplices usaram esses moldes como luvas. Aí eu lembrei de dois filmes que mencionavam esse tipo de identificação no enredo. E sobre como fraudar o sistema.
Um é O sexto dia, com Arnold Schwarzenegger. E se você ainda não assistiu o filme, já vou avisando: tem spoiler. O Arnold que acorda no táxi é o clone. O outro é Minority Report, com o Tom Cruise. Ele faz um transplante de olho (de olho!) e quando vai ao shopping, o programa de identificação lhe dá as boas vindas como “Sr. Nakamura”.
Outra parte do nosso corpo que seria única e, portanto, à prova de cópia seria uma parte do olho, a íris. Eu pensei, quando vi a cena do táxi: pô, que legal se a tecnologia avançar a ponto da gente não precisar de cartão, cheque ou dinheiro pra pagar as contas. Só olhando o sensor, e pronto.
Mas aí o herói do filme é um clone. Com o mesmo padrão, as mesmas digitais (dizem que até o formato da orelha é único). Com ele e o original andando por aí ao mesmo tempo, levaria metade do tempo pra gastar o dinheiro!
Deixemos de lado a clonagem, mesmo com a Dolly. O que impediria os bandidos de espalhar sensores que vão cobrar por compras e serviços que não pedimos? Imagine um comerciante mal intencionado que põe um desses na vitrine, e só da gente olhar pra mercadoria, compramos ela. Daí, de duas uma: recebemos um monte de entregas em casa, e/ou quando a gente quiser comprar uma balinha, recebemos a mensagem de “saldo insuficiente”.
Daqui a pouco, as maquininhas de cartão vão ser trocadas por leitores de impressão digital. Mas aí vamos ter que tomar muito cuidado onde passamos o dedo, e lembrar de limpar o sensor depois de pagar a compra. Pelo menos a gente se livra do porre de ter que decorar senha. Só que se fraudarem a digital, não vamos ter como bloquear e trocar, não é mesmo?

E o que acontece se perdermos o dedo cuja digital está cadastrada? Ou, nesse delírio futurista, se eu precisar de um transplante de córnea, vou ter acesso às contas do doador? Sei lá! Antes do avião ser inventado, quem imaginou morrer num acidente aéreo? Júlio Verne, talvez?

quinta-feira, 21 de setembro de 2017

Viagem no tempo


Quando eu era garoto, comecei a fazer serviço de banco pros meus pais. Não era essa facilidade de hoje em dia, que podemos acessar o banco com um aplicativo de celular e fazer até depósitos em cheque tirando uma foto.
Pra ir até a agência também não era a moleza que é agora, com um banco aqui na esquina. Em relação à distância, por exemplo, eu tinha que pegar um ônibus na ida e outro pra voltar. E tinha que pagar as duas passagens, em dinheiro ou passe de papel. Nada dessas modernidades do bilhete único.
Na agência, também não tinha moleza. Tinha que preencher guia de depósito, para sacar tinha que ser com cheque. Mas aceitava todas as contas, exceto boleto vencido de outro banco.
A movimentação da conta tinha que ser com talão de cheques ou, no caso de poupança, a caderneta.
E por falar nela, só podia depositar naquele dia e os juros eram trimestrais. Se fosse aplicar em outro dia, era obrigado a abrir outra conta, uma pra cada dia do mês, exceto a partir do dia 29. Por causa de fevereiro, é claro. Tem uma história sobre um imperador romano ter roubado um dia do mês de fevereiro, mas isso é pra outro dia.
As filas eram imensas, mas tinha caixa de monte. E o pessoal passava o tempo conversando ou lendo. Não tinha Facebook nem WhatsApp, muito menos celular. Computador era coisa de seriado de ficção científica (assim eu imaginava na época). Em vez disso, tinha máquinas de escrever e registradoras que autenticavam os recibos.
“E música, as pessoas ouviam?”, perguntou a criança.
Pensei um pouco antes de responder. “Sim, os clientes começaram a ouvir música dentro do banco quando apareceu o walkman.”
“O que é um walkman?”
“É...” eu titubeei. “É o aparelho que a gente usava pra ouvir música fora de casa na época.”
“E usava esse tal walkman pra mais alguma coisa?”
“Bem, alguns modelos dava até pra gravar.”
“Só??”
“Quer que eu continue ou você quer mudar de assunto?”. Ele olhou pra mim, em dúvida. Depois fez um sinal pra continuar a história.
Caixa eletrônico? Nem sonhávamos com isso (os clientes, claro). E lotérica era só pra aquilo: fazer aquela fezinha na loteria federal ou na esportiva.
Não tinha porta giratória também, travando com qualquer vintém. Mas o risco de assaltos era mais alto, justamente por isso.
As filas eram por caixa, e o pessoal ficava mudando de fila quando percebia que uma andava mais rápido, igual ao que os motoristas fazem no trânsito. Até que um dia inventaram de fazer a fila única.
Só que era única mesmo. Ficava idoso, gente com criança, grávidas, na ordem de chegada. Acho que isso começou a mudar quando fizeram a lei do transporte gratuito pra idosos, depois os assentos preferenciais. Aí apareceu a fila preferencial.
Vieram então as portas giratórias e o pessoal dando piti porque a porta travava, e culpavam os seguranças de não irem com a cara do cliente e travar a porta.
Um dia, apareceu uma máquina num canto da agência e pediram pro meu pai criar uma senha. Eu nunca tinha ouvido aquela palavra, mas o gerente disse que, com os dados da conta e a senha, meus pais poderiam tirar um saldo ou extrato da conta sempre que quisessem. Bom, como eu ia ao banco todo dia, acabei decorando a tal da senha (e o número da agência e da conta) e tirava um extrato sempre que fazia um depósito.
Depois vieram com um retângulo com o nome do banco, agência, conta e o nome da pessoa. Na época, a gente nem sabia o que era cartão de crédito. E o caixa eletrônico.
No começo, ele fazia o mesmo que aquelas máquinas onde a gente tirava extratos – que basicamente era uma calculadora de mesa com bobina, só que em vez de cálculos dava a movimentação da conta ou o saldo.
Mas, voltando ao caixa eletrônico, ele fazia três coisas: extrato, saldo e sacar dinheiro. E tinha que usar o tal do cartão com a senha. E ela era só de números. Hoje tem tantas opções que a gente fica tonto só de olhar. Depois veio a internet e agora os aplicativos de celular.
“Puxa, pai, como você sabe tanto sobre banco?”
“Ora, filho! Eu trabalho em um. Só que as coisas mudaram muito desde a época em que eu era criança.”

“Puxa, como você é velho!” disse o garoto. “Isso aconteceu mesmo ou você inventou tudo isso?”